Friday, December 28, 2007

Nossos irmãos esquecidos: os latinos balcânicos



Quando mencionam as línguas e povos latinos logo citam o italiano, francês, espanhol (castelhano para ser neutro), português e sempre alguém lembra do primo distante o romeno. Mas, outras línguas latinas existem, também possuindo a beleza romance: temos o nacionalista catalão, que é a língua oficial de um país: Andorra, além de uso regional na Catalunha, Rossilhão (França) e partes da Sardenha (Itália). Um dialeto do rético, o romanche é uma das quatro línguas oficiais da Suíça.
Agora, deixando a romanidade ocidental de lado, os balcãs, apesar de eu acreditar que sempre foram uma colcha de retalhos etno-cultural, já foi um contínuo da romanidade. Hoje, restaram poucas ilhas culturais entre a Itália e Romênia que devem ser lembrados.

Desde que o grande divórcio entre romanos do ocidente e os romanos do oriente (também chamados de bizantinos ou ainda ROMEI) essa região onde a Dácia nunca foi propriamente conquistada, recebeu um influxo de alanos, hunos, bulgaros, godos e mais tarde eslavos, magiares, germanos e turcos, além da cultura grega e dos indígenas trácio-ilíricos (de quem os célebres albaneses parecem descender) sobreviverem.

A cultura latina se manteve forte em um lugar que poucos apostariam, ao norte do danúbio, onde valacos, moldavos, bessarábios insitiram na romanidade. Nessa área surgiu o daco-romeno ou valaco-romeno ou o romeno de hoje, oficial na Romênia, Moldávia e Vojvodina (Sérvia). Além dalí, na antiga Ilíria e Macedônia povos romanizados mantiveram leis, costumes e línguas romanas. Todos esses esses latinos balcânicos receberam a designação geral de Vlach, Valáquios, Vlasi, Walach, Vlahi.

Não longe dalí, a Panônia, território onde modernamente é a Hungria, Augusto conquistou e iniciou uma colonização romana que sobreviveu aos hunos e avars e floresceu entre os séculos VI e VIII d.C. como revela a cultura arqueológica de Keszthely (“castelo”), infelizmente não há muito documentação dessa língua, que seria contemporâneo à fase do romanço nas línguas latinas ocidentais. A assimilação com os magiares levou a exintinção dessa língua e cultura. Somente alguns toponômios sobrevivem hoje ao redor do lago Balaton.

Outra língua da região que também não teve muita sorte foi o dálmata. Nas bela e límpida costa do Adriático essa língua floresceu entre o século X e XV e foi a língua oficial da República de Ragusa (hjoe Dubrovnik, Croácia). È difícil classificar o dálmata se deve ser posto junto às línguas romance itáliacas, ou agrupá-lo com as línguas latinas orientais. Mas em uma área disputada entre o expansionismo veneziano e otomato, foram eslavisados, levando um bom tempo para dar seu último suspiro. Seu último falante morreu em 1898, era Tuone Udaina (em italiano Antonio Udina) um barbeiro da ilha de Veglia (Krk na Croácia) que no momento que o linguista italiano Matteo Bartoli registrou a língua, estava surdo e sem dentes e fazia vinte anos que não falava mais o dálmata, que ainda por cima era sua segunda.

Todavia, ainda é possível que o dálmata tenha sobrevivido. Na península Ístria existem algumas vilas que falam uma língua peculiar. Chamada de Bumbaro em Dignano (Vodjan) ou Rovignese em Rovigno (Rovinj) (antes era falada em Bale sob o nome de Vallese, em Sissano de Sissanese, em Fasana como Fasanese, Gallesanese em Gallesano), outro linguista italiano, o notável Graziadio Ascoli deu-lhe a apelação de Istrioto. Ainda falada por cerca de 1000 pessoas como priemeira língua, das quais quase todas falam croata ou italiano ou esloveno, corre risco de extinguir-se em breve. Não há uma unimidade se o istrioto é um dialeto do dálmata, ou uma língua latina independente, ou ainda se é um dialeto de outra língua viva como istro-vêneto, italiano, friulano ou istro-romeno.

Vizinho aos istriotos há o istro-romeno, cuja similaridade com o Romeno é grande, apesar da separação geográfica. Por razões políticas e ideológicas as origens dessa língua é motivo de debate, não sabe ao certo quando se formou ou quando istro-romenos estabeleceram na região. A mais antiga menção deles remota do século XIV.
Na região central da Bósnia, Sérvia e Croácia houve os Morlach, um povo pastoralista semi-nômade, de lingua vlach, que manteve uma identidade étnica distinta entre os século XI e XV. No censo de 1991 na Croácia, 22 pessoas se declararam morlachs, mas sua língua é eslava.

Outros grupos de vlachs próximo aos Daco-Romenos habitam hoje o leste da Sérvia e Vojvodina.

Teve, ainda uma comunidade vlach nos cárpatos da Morávia, mas foram exterminados durante a Guerra dos Trinta Anos.

Enquanto os vlachs do norte como os daco-romenos dedicavam à agricultura de cereais e possuiam um intenso contato com germânicos, húngaros, italianos, eslavos de religião católica romana, no sul os vlachs geralmente mantiveram pastoralistas e receberam uma influência grega e sul-eslava, aderindo ao cristianismo ortodoxo.
Outras duas línguas também geograficamente separadas nos balcans é o Aromúnio (ou Macedo-Romeno) e o Megleno-Romeno. As vezes tratados como meros dialetos do romeno devido sua semelhança, mas não é o que indica suas histórias e conteúdos.

Os Aromúnios ( “a-romanos”) também chamados de Vlach ou Macedo-Romenos orgulhosamente descendem de colonos e soldados romanos estabelecidos na Macedônia do século II e preservam costumes romanos esquecidos alhures, como o caloian, dança festiva da chuva. Possuiam uma economia tradicional pastoralista. Essa língua apresenta uma maior influência do grego do que das línguas eslavas, como no romeno. No século XIV possuiam um estado na Tessália, o qual chamavam de Grande Valáquia. Conquistaram um breve período de glória no século XVIII, com a capital Moscopole, até sua destruição pelos otomanos em 1788. E novamente uma breve independência entre 1941-1944 como Principado de Pindos (na verdade um estato fantoche dos fascistas italianos). Hoje há inúmeras vilas cuja língua primária é o aromúnio na República da Macedônia (onde goza um status semi-oficial), Grécia (onde é discriminado), Bulgária, Albânia e Romênia. Sua população é considerável, com numeros disputados entre 100.000 e 500.000 falantes, o que a faz ser o melhor candidato a sobrevivência entre seus irmãos.

No mesmo nicho dos Aromúnios macedônios, no vale de Moglena, no centro da Macedônia Grega há seis vilas de cultura agrícola que ainda falam o Megleno-Romeno, distinto tanto do Daco-Romeno e do Aromúnio. Hoje há entre 12.000 e 20.000 meglenitas, com cerca de 2.000 deles em Dobruja, Romênia.

Além dos Vlachs, Dálmatas, Istriotos e Panônios, deve ser mencionado a presença judaica nos Balcans. Há a pequena comunidade judaica nativa da Grécia com centros em Ioannina no Epiro, Tessalônica, Corinto e Rhodes , cujo nome sugestivo de Romaniotes, faz jus à lenda que eles descendem dos judeus romanos expulsos de Roma pelo imperador Cláudio ou dos que vieram diretamenta da queda de Jerusalém depois de sua queda em 70.DC. Seguem o talmud de Jerusalém, diferente dos outros judeus do mundo que seguem a versão babilônica. Não falam nenhuma língua latina, antes o grego como sua primeira língua, mas é peculiar seu dialeto helênico quase extinto, o Yevânico. Todavia, essa comunidade parece ter raízes mais antigas, talvês da época da expansão persa e do helenismo promovido por Alexandre, o Grande. Mas os romaniotes desde o século XVI foram assimilados pela grande migração de judeus ibéricos, de rito sefardita, que criaram um grande centro em Tessalônica e cultivam a língua Ladina ou Djudezmo, uma língua ibérica aquém ao castelhano, que expandiu para Saravejo, Belgrado, Sofia, Rhodes, Istambul, Izmir. Infelizmente, talves meio milhão de ladinos orientais morreram ou foram deportados na Segunda Guerra Mundial.

Agora, é o momento de empregar a internet, educação e auto-estima para a oportunidade única dessa cultura milenar dos latinos orientais em subsistir ainda por um tempo, com toda sua riqueza.

Algumas amostras:

ROMENO
Tatăl nostru care eşti în ceruri,
sfiinţească-Se numele Tău.
Vie Împărăţia Ta.
Facă-se voia Ta, precum în cer, aşa şi pe pământ.
Pâinea noastră cea de toate zilele dă-ne-o nouă astăzi.
Şi ne iartă nouă păcatele noastre,
precum şii noi iertăm greşiţilor noştri.
Şi nu ne duce pe noi în ispită,
ci ne izbăveşte de cel rău.

AROMÚNIO
Tatãl Nostru
Tatã a nostru
care es'ti în t'eru,
s-aiseascã nuam a Ta,
s-vinã amiraliea a Ta,
s-facã vrerea a Ta,
as'i cumu în t'eru,
as'i s'i pisti locu.
Pânea a noastrã at'ea di tute dzâlele dã-nã o nau adzâ
s'i nã li iartã amãrtilili noastre
as'i cumu li iartãmu s'i noi unu a altui.
S'i nu nã du pri noi la cârtire,
ma nã aveagli di at'elu arãu.
Cã a Ta easte amiraliea s'i puterea
a Tatãlui s'i Hiliului s'i a Spiritului Sântu,
tora, totana s'i tu eta etelor.
Amin.

ISTRIOTO
Venite pastori
Amici su lasciamo il gregge a pascolare,
andiamo ad adorare il Nostro Redentor.
Venite su pastori, venite ad adorar
il Re dei Re venite, venite ad adorar.
Aperte son le porte dell'infinito cielo,
non più, non più la morte
E nato il Redentor,
su andiamo ad adorar,
su andiamo a visitar.

ISTRO-ROMENO
Ciace nostru carle şti ăn cer,
neca se lumele tev posvete,
neca vire cesaria te,
se fie vol'a te,
cum ăi an cer, şa şi pre pemint.
Păra nostre de saca zi de-ne-vo astez
şi ne scuze pecatele nostre
cum şi noi scuzein lu cel'i carl'i ne ofendescu.
Şi nu duce pre noi ăn napast ma ne zbave de cela revu. Amin


DÁLMATA
Tuota nuester, che te sante intel sil,
sait santificuot el naun to.
Vigna el raigno to.
Sait fuot la voluntuot toa, coisa in sil, coisa in tiara.
Duote costa dai el pun nuester cotidiun.
E remetiaj le nuestre debete,
coisa nojiltri remetiaime a i nuestri debetuar.
E naun ne menur in tentatiaun,
miu deleberiajne dal mal.

LADINO ORIENTAL: POEMA LEHA DODI
LEHA
Anda mi amigo al enkuentro de la novia presioza,
es al Shabat ke resiviremos kon su figura grasioza.

SHAMOR
"Guardar" i "Rekordar" el Shabat delisiozo,
nos izo sintir en un orden el Poderozo,
El poderozo es uno, i Su nombre es uniko,
Nombre de loor i ermozura i magnifiko.

LIKRAT
Enfrente el Shabat andar andaremos,
si el manadero de la bendision keremos,
Disde la kriasion del mundo fue el proyektado,
komo primo obyekto kalkulado i al ultimo deklarado.

MIKDASH
Bet-Amikdash maestozo i sivdad de la residensia!
levantate i sale de la ruina i dekadensia,
basta verter tus lagrimas sin kuantidad,
el Dio de los sielos te akordara la piadad.

ITNAARI
Sakudi el polvo i de la fuesa levantate,
el presiozo manto komo puevlo noble vistite,
la mano enerjika del ijo de Yishay se restituira,
i ansi tu alma abatida rihmir se rihmira.

ITORERI
Rebivite! Animate! Porke tu estreja esparza sus rayos,
despiertate! espiertate! ordena el kante en tus santuarios,
la gloria de Dio fue a ti deskuvrida,
porke fuetes de entre las nasiones eskojida.

LO-TEVOSHI
No te averguenses i no te atemes en la desgrasia,
porke estas kayado i porke djimis kon ansia?
En ti se abriga la tierna jenerasion,
i espera kon karinjo la fragua de Tsion.

YAMIN
A la derecha i esiedra te espandiras,
i del Dio santo i bendicho temeras.
Por el trivo de Perets salvados siremos,
alegres i orozos al Omnipotente bendiziremos.

BOI
Ven en pas korona del puevlo judio!
ven kon alegria, kon pompa, kon brio!
ven en medio de tus adorantes del puevlo destenguido!
ven Shabat! ven kerido! emperador del repozo komplido.

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Bibliografia

www.vlach.gr

Bartoli, Matteo Giulio. 1906.Das Dalmatische (2 vols), Kaiserliche Akademie der Wissenschaften, Vienna, traduzido e republicado em italiano como: 2000. Il Dalmatico, Istituto della Enciclopedia Italiana

Madgearu, Alexandru. 2005. The Romanians in the Anonymous "Gesta Hungarorum" truth and fiction. Cluj-Napoca: Center for Transylvanian Studies, Romanian Cultural Institute.

Ascoli, Graziadio Isaia. c.1870.Archivio glottologico italiano.

Nedves, Marija. (2000) I dialetti istrioti in Istria. in La Ricerca n. 271, Centro di Ricerche Storiche (Rovigno),

Recursos em istrioto http://www.istrianet.org
http://www.youtube.com/watch?v=0gPsJ0gevxM&feature=related
Mapa etno-linguístico da Penísula Ístria http://digilander.libero.it/arupinum/areaIstrioto.htm

Excelente site em inglês sobre recursos em istro-romeno http://www.istro-romanian.net/books.html

Friedman, Victor A., 2001The Vlah Minority in Macedonia: Language, Identity, Dialectology, and Standardization in Selected Papers in Slavic, Balkan, and Balkan Studies, ed. Juhani Nuoluoto, Martii Leiwo, Jussi Halla-aho. Slavica Helsingiensa 21.University of Helsinki.

Tarcomnicu, Emil. Megleno Romanii http://www.romanii.ro/NewSite/Macedo-Romanii%20din.htm

Thursday, December 27, 2007

O propósito da História

Não querendo entrar na historiografia e ser necessário abordar Heródoto, Ibn Khaldoun, Gibbon, Toynbee, Fukuyama e analizando não a disciplina em si, mas a condição humana, temos um fim?

Acho que Ellul talvez tenha razão em negar atribuir uma telelogia à História.

A história humana é na verdade um conto narrado por um idiota. A Bíblia diz muito quando retrata a história como um galope desfreado, sem direção, rota ou razão, dos quatros cavaleiros do Apocalipse: o cavaleiro do poder político e militar, o cavaleiro do poder econômico, o cavaleiro da morte com suas causas e, o cavaleiro da palavra, a Palavra de Deus. Em uma corrida furiosa eles cobrem a toda a terra e a combinação de seus rastros é o que chamados história. História não tem objetivo ou significado. Somente em retrospecto posso encurvar-me sobre ela e dá-la algum significado. (Jacques Ellul in "Ce que Je crois")

Devemos pois aplicarmos ao carpe diem, deixando a escatologia guardada em algum lugar onde o sol não alcança?

Tuesday, November 13, 2007

VINHO: O SANGUE DA TERRA






Vinum bonum laetificat cor hominis - Psalmo - 104:1

A religião hebraico-cristã é cheia de conotações com o vinho.

“O vinho alegra o coração”- Salmo 104:15.


“Dai bebida forte ao que está para perecer, e o vinho ao que está em amargura de espírito” Provérbios 31:6.


Por outro lado, o estado alterado da embriaguês não era valorizado ou aceito na religião hebraica. Noé, após o dilúvio tornou-se agricultor, plantou uma vinha e dela bebeu e embriagando-se, desnudou. Seu filho Cam ridicularizou seu próprio pai. Aí a embriaguês veio ser a caracterização da miséria humana e foi condenada em vários versos bíblicos.

“Busquei no meu coração como estimular com vinho a minha carne, sem deixar de me guiar pela sabedoria, e como me apoderar da estultícia, até ver o que era bom que os filhos dos homens fizessem debaixo do céu, durante o número dos dias de sua vida”. Eclesiastes 2:3.

O aspecto rubro e encorpado do vinho foi associado intimamente com o sangue. Trazia vida, possuia o spiritus (alcool), era passional.

Clemente de Alexandria viria proclamar que o vinho era o sangue da Terra. A Terra também receberia sangue humano, como o sangue de Abel que a semeou e regou e provou ser frutífero. [1]

Interpretando antropologicamente esta passagem do fraticídio de Abel, Cain seria a sociedade agrária neolítica, com seus cultos de fertilidades, onde os frutos da Mãe-Terra era ofertado em libações. Abel é a alegoria do pastoralismo nômade. Era esperável a aceitação do holocausto de Abel, tendo em vista o significado da oferta e perda em um sacrifício onde um animal é entregue[2]. Portanto, mais dramático e custoso que uma oferenda vegetal.

Com Abel, por meio da morte de um vivente, dá-se a maior e a mais cara dádiva: a Vida.
Rejeitado, Cain conspirou e feriu de morte seu irmão. E a terra bebeu o inocente sangue de Abel.

Enquanto a civilização surgiu de sociedades agrárias do Egito e Mesopotâmia, caberia aos pastoralistas habiru e medo-persas a emergência do monoteísmo. A síntese dessas culturas conflitantes viria não com a Pax Romana, mas durante ela quando o Cristianismo fundiu os sacrifícios de Abel e Cain na Santa Ceia: o Pão (os cerais) e o Vinho (o sangue) representando o sacrifício do Inocente.

Deste modo o Cristianismo é a religião do vinho por excelência: extinguiu-se os sanguinolentos holocaustos, embora retendo seu símbolo nessa figura líquida. Não supreende que o primeiro milagre de Jesus Cristo fora transformar água em vinho em Caná[3]. Ainda é notavel a comparação “Sou a Videira verdadeira e meu Pai o lavrador”.[4]

Quase contemporâneamente à essa safra que floresceu o Cristinianismo, ocorre outra transmutação da religião do sangue em religião do vinho, no proeminente no culto greco-romano de Dionísio/Baco.

O irreverente Dionísio era a deidade do vinho e de seus poderes de socialização e cura, in vino sanitas, diria Plínio, o Velho e até Paulo concordaria, como algums médicos de hoje defensores da dieta mediterrânea, recomenda seu uso medicinal[5]. Além do vinho, Dinonísio era o patrono do teatro, civilização, agricultura e o Eleutherios (o Libertador).

O culto enteogênico de Dionísio parece predatar a invasão dos helênos, sendo assimilado no panteão olímpico e depois revivado nas Religiões de Mistérios do Helenismo e Império Romano, provando sua vitalidade. O tema de morte-renascimento presente no mito dionisiano representa a imortalidade, como a vinha que sobrevivia nos terrenos pedregosos, em climas sem misericódia e poucas sementes era o suficiente para fazê-la brotar. Tal forma, Dionísio espremeu o primeiro vinho das frutas nascidas sobre o corpo de um de seus amantes, trazendo-o de volta em espirito.

Na Bacae de Eurípedes as mulheres, castiças donas-de-casa gregas, saiam à noite, cantando enebriadas pelo deus-vinho, subiam as montanhas onde dançavam em um enthusiamos sem fim pela madrugada toda.

Dionísio e o vinho rompia barreiras na Grécia antiga. Mesmo fossas sociais evaporavam, como nos festivais de Anthesteria, quando as uvas brotavam, nesses três dias escravos e mestres celebravam juntos, brindando o novo vinho, arranjando novos casamentos e os espíritos dos mortos voltando à superfície para alegrar com os vivos.

Nietzche compararia em seu “O Nascimento da Tragédia”, o comportamento selvagem de Dionísio, passional e intoxicante, com o mais ordeiro Apolo. Isso sugeriu a Vyacheslaf Ivanof a teoria que a literatura e as artes dramáticas teriam origens no culto de Baco.

Nunca estancou rios de vinhos nas festas dos bacanas. Poetas se inspiraram pelo inebriante paladar.

Mesmo o Islam, que em sua versão corânica [6] não hesitou em condenar a bebida, há a apreciação do cálido elixir da vida pelos grandes poetas sufi, como Omar Khayyam e Rumi, e mesmo o Alcorão declara a esperança escatológica que no paraíso correrão "rios de vinho - uma delícia para os que o bebem". [7]

Quando bebo, ouço mesmo o que não me pode dizer a minha bem amada!

Mais vale uma ânfora de vinho do que o poder, a glória e as riquezas.

O vinho libertar-te-á das névoas do passado e das brumas do fututro.

O vinho inundar-te-á de luz, livrando-te dos grilhões de prisioneiro.


Omar Khayyam – Rubaiyat

Omar Khayyam viveu em uma das áreas viniculturista mais antigas da humanidade. Estima que o cultivo da vinha seja originária da Anatólia oriental, sul do Cáucaso e noroeste do Irã. E de lá difundiu, ainda na idade do bronze, por distantes lugares, como atesta o termo wanderwort *win-o em proto-indo-europeu, *wayn em proto-semítico e ğvino em georgiano[7]. O mais antigo sítio arqueológico cuja presença do vinho foi identificado é Shulaveri, Geórgia, com data estimada de 6.000 anos a. C. Alguns séculos depois aparece até mesmo na China.

E ainda o vinho viajou. Seja pelas ordens medicantes medievais, que aonde eregiam suas casas e mosteiros plantavam vinhedos, seja pelos missionários pós-Vasco da Gama, que expalharam o cultivo para sagrado uso. Também foi a preciosa jóia líquida levada por refugiados protestantes huguenotes franceses para a África do Sul, onde ainda existe uma renomada tradição vinícola. Mirando em outras terras para refúgio, os huguenotes trouxeram cachos e mudas para a fria e puritana Nova Inglaterra, ainda que não seja lá tão famosa, esses vinhedos deram nome até à uma ilha, Martha’s Vineyard.

O vinho viajou e trouxe poder. Lembra-me do malfadado tratado de Methuen (1703) entre Inglaterra e Portugal, conveniente chamado de “Panos e Vinhos” e não de “Proteção contra Espanha e os Franceses”.

Regiões e populações inteiras na Europa, Cone Sul, Califórnia, Austrália tragam suas riquezas desse fruto sanguínio, geração após geração.

O vinho traz poder. Pedantes connoisseurs demonstram poder sendo capaz de escolher o vinho. Já o pobre beberrão, constrangido é escravo da versão de mesa, ou de outras bebidas menos nobres.

É o fogo unido em água. É o rubi vertido no cálice.

Finalmente, o vinho traz benção:


Baruch Atah Adonai Elohainu Melech ha'olam, Bore p'ree hagafen.
Bendito És Tu, Senhor nosso Deus, Rei do universo, Criador do fruto da vide.

Tradicional benção judaica sobre o vinho, o Kiddush.

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[1] Gênesis 4:8-15
[2] Perspectivas de Buchanan Gray e Evans-Pritchard sobre sacrifícios.
[3] João 2:1-12
[4] João 15:1
[5] 1 Timóteo 5:23.
[6] Sura 5:90, Sura 2:219.
[7] Sura 47:15
[8] OnlED (Online Etymology Dictionary). 2004. (http://www.etymonline.com/).